As charges, a corrupção e as pizzas
por Eugênio Neves
Acho que nós, os chargistas, já que nesses últimos dias tivemos um intenso debate sobre nossa função, devemos romper, antes de tudo, com o senso comum. Novamente uma leva de charges “indignadas” estão ocupando todos os espaços da imprensa e também os virtuais para fazer a velha e surrada denúncia contra os políticos corruptos. Cada vez me conformo menos com essa abordagem que joga para cima dos tais políticos a responsabilidade exclusiva por seus atos.
Alguns políticos podem até trair a confiança dos eleitores ao abandonar seu discurso e enveredar pelos caminhos nebulosos que não condizem com sua função de defender os interesses da cidadania. Mas são poucos esses casos. Na quase totalidade das vezes, todos os políticos que tem má conduta já apresentavam antecedentes antes de eleitos ou mesmo depois de eleitos, o que não justificaria de modo algum sua reeleição. Esse é exatamente o Caso do Renan Calheiros.
Todos os episódios relacionados ao modus operandi desse indivíduo foram explorados ad náusea pela mídia, pois segundo as más línguas ele teria caído em desgraça junto ao baronato que controla os meios de desinformação no Brasil. Exatamente por isso nossa população teve a rara oportunidade de ver, muito bem iluminadas pelos holofotes da mídia, as entranhas do tal Renan reviradas pelo avesso. E de tal forma que ele se viu obrigado a renunciar para não perder o mandato.
No entanto, o cara aparece reeleito!!! Dado o grau de retidão e ojeriza que o povo brasileiro tem “desses político que são tudo uns corrupto”, só consigo imaginar que ele foi recolocado no centro do poder por uma conspiração de Ets, que sem outra coisa para fazer nos intervalos das suas viagens intergalácticas, matem o tempo nos sacaneando. Claro que uma vez eleito pelos ETs, Renan nem precisa mais da ajuda deles pois dentro do congresso pode contar com a ajuda dos seus pares, também eleitos peles ETs. Daí para uma ação entre amigos e a presidência da casa é um tapa.
Quem sofre mesmo é o povo brasileiro que não tem nada com isso, que jamais elegeria um corrupto, já que tem uma memória tão fantástica que o torna capaz de lembrar, por exemplo, a escalação completa do Locomotiva de Kiev que ganhou em 1932 o campeonato ucraniano de futebol. Assim, lembrar-se do candidato em quem votou nas últimas eleições e de sua ficha é fichinha para um povo com memória tão prodigiosa como o nosso.
Essa historinha eu contei numa barbearia depois de ouvir aquela tradicional ladainha dos “politizados” frequentadores sobre “esses político que são tudo uns corrupto”. Não preciso dizer que ficaram todos me olhando com cara de cu. Então é isso meus amigos grafistas, quadrinistas, chargistas, cartunistas e o escambau: nossa função é deixar o leitor/espectador com cara de cu! Sim, por que se é pra ouvir esse discursinho sobre “políticos corruptos” eu não preciso ver charges ou me informar sobre política. Vou na barbearia e pronto!
Penso que está mais do que na hora de sair do lugar comum, trocar o disco e confrontar o leitor com a responsabilidade da qual ele quer se eximir. Renan foi eleito, porra!!! Então que papo é esse de corrupção? Quem são os corruptos ou, no mínimo, os coniventes eleitores?
Essa abordagem chavão não ajuda em nada. Só consagra uma percepção destorcida, alienante despolitizada sobre o poder e a forma como ele se estabelece num regime republicano de viés liberal burguês. Nossa função é mostrar isso, dizer sobre a responsabilidade de cada um num sistema político, que mesmo viciado por práticas nada recomendáveis, ainda assim tem certa margem de manobra para quem não tem preguiça mental e um mínimo interesse em informar-se.
Claro que pra sair desse confortável lugar comum de denunciar genericamente a corrupção desenhando pizzas e mares de lama, teremos que puxar pelas ideias. Reza a lenda que a matéria prima do nosso trabalho é justamente a ideia, a sacada, a invenção, para mostrar as pessoas aquilo que ninguém está percebendo. Se não for para isso, qual é mesmo nossa função?
Imagem: Reprodução/APEDEMA-RS, charge do Eugênio Neves cedida à APEDEMA-RS em 2012 em colaboração ao movimento ambientalista.
Concordo. Ler nas entrelinhas das notícias e traduzir em imagens, com uma carga que revele algo que o leitor não tinha pensado, ou que ele também sinta e não consiga expressar.