Arnaldo Marques: A cruz e a transsexual, a festa e a dor

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Tatiane Pires

Foto: Reprodução/Facebook
Foto: Reprodução/Facebook

por Arnaldo Ferreira Marques

Desde que a Parada Gay de São Paulo se tornou um megaevento, dos maiores do Brasil e do mundo, ela passou também a ser vista como uma grande orgia, fosse isso real ou não.

E assim caminhava a imagem do evento: para uns simples depravação, para outros circo, para uns poucos um ato político que ajude a mudar a cidade, o país, o mundo.

Em 2013, ano das épicas Jornadas, a parada levou menos gente à Paulista (menos de 300 mil) dez dias antes da PM, batendo no Movimento Passe Livre, incendiar as ruas de São Paulo. Mesmo a eleição de Marcos Feliciano para a presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara, em março, não empolgou gays e simpatizantes a ocuparem o espaço público.

Em 2014, tenso ano da Copa que prometiam ser do caos, a Parada foi antecipada para maio e teria reunido menos de 200 mil pessoas, sem maior brilho.

Finalmente em 2015 algo mudou. Teria sido o 7 de junho o marco de um momento de inflexão dos movimentos sociais em São Paulo e no Brasil?

Por tudo o que se pôde ver e ler, em 2015 a Parada de São Paulo foi, mais do que nunca, política.

Não me entendam mal. Não sou dos que demonizam festa, nunca. Não acho que a Parada do Orgulho Gay tenha de ser um desfile militar na linha “Praça Vermelha”, com filas perfeitamente alinhadas carregando cartazes revolucionários e marchando em passo de ganso (e gansa) de cara amarrada. Nada disso.

Mas sem dúvida é bacana ver que dá para incluir a política na festa da rua, política da forma mais direta e explícita. Política com P maiúsculo, social, forte, decidida.

A prova maior dessa nova postura foi a imagem da transsexual de rosto sofrido atada a uma cruz, coberta de tinha vermelha.

Nada ali remetia à blasfêmia ou ao desrespeito.

A cena era de dor e contrição, não havia um pingo de deboche ou irreverência. Muito menos da imagem de festa sem limites que a Parada e a imprensa costumam cultivar.

Não era uma brincadeira. Não era uma piada. E duvido que alguém tenha rido ao ver um rosto de dor pendendo sobre um corpo ensanguentado.

O que se expunha ali era a representação de todos os homossexuais que têm o seu sangue derramado apenas por amarem diferente. Era a cruz em seu significado mais puro de dor injusta que devemos repudiar. O inocente sacrificado barbaramente pelo ódio, pela intolerância.

Era a Parada – rotulada anos a fio como momento somente de alegria irresponsável – mostrando a morte e, quem diria!, sendo triste.

E tudo acompanhado de centenas de cartazes segurados pelas ruas, exigindo respeito e leis democráticas. E cristãos que foram levar mensagens de tolerância e amor sendo abraçados e aplaudidos.

Um momento histórico na luta LGBT, sem dúvida.

Há algo de novo no ar, e não são só aromas do Boticário.

Que bom.

Publicado originalmente no Facebook de Arnaldo Ferreira Marques.

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