por Arnaldo Ferreira Marques
No festival de acusações mútuas, desqualificações e xingamentos que caracterizam grande parte do atual “debate” político nas redes sociais, o que está realmente em jogo?
Será mesmo que, como afirmam os esquerdistas, todos os artistas bacanas são Dilma e só o lixo cultural vota em Aécio? Será mesmo que quem vota em Aécio é sempre homofóbico, defende a violência contra a mulher, é racista?
Ou será que, como dizem os direitistas, quem vota em Dilma quer realmente mamar nas tetas do Estado, seja em cargos públicos (os petistas da classe média), seja em programas sociais assistencialistas (os pobres)? Será mesmo que só gente ignorante vota em Dilma?
Quem respondeu ‘não’ aos dois blocos de questões tem o meu apoio. Eu também entendo que não.
Outra questão. Será mesmo que o PT é um partido corrupto por natureza, e por isso “Viva Aécio e fora PT!”? Ou será que os tucanos roubam muito mais e por isso “Viva Dilma e fora PSDB!”?
De novo a resposta, na minha opinião, é um duplo não.
Porque uma coisa são ilegalidades para caixa partidária (em relação às quais há fortes indícios em todos os partidos, PT e PSDB incluídos). Outra coisa é haver filiados que não resistem às tentações e entregam-se à corrupção e ao roubo para enriquecimento pessoal, o que existe em qualquer local – público ou privado – com mais de 4 ou 5 pessoas reunidas.
E outra coisa é um partido montado para o saque do dinheiro público – infelizmente muitos no Brasil (as famosas legendas de aluguel…). Pior: recebem votos (haverá 28 partidos no Congresso em 2015). Mas entre esses partidos saqueadores não estão nem o PT nem o PSDB.
Mas então… tanto faz? As pessoas que defendem Dilma ou Aécio com unhas e dentes só veem uma parte da realidade, e na prática tanto faz um ou outro ganhar?
Bom, no meu entendimento há diferenças, sim.
Aécio e Dilma, mais do que dois projetos de país, representam antes de mais nada duas concepções de justiça social.
A base dos eleitores ideológicos de Aécio acredita que a pobreza no Brasil é justa, dado que o pobre seria o maior responsável pela própria pobreza.
Essas pessoas acreditam que programas sociais na verdade incentivam e premiam quem não trabalha ou não se esforça para subir na vida. Essas mesmas pessoas entendem que para manter os “vagabundos” na linha as leis devem ser ainda mais duras (muitas defendem a pena de morte) e a polícia, ainda mais agressiva e violenta.
Há também uma ideia de que a condição fundamental para melhorar de vida é a escolaridade, o que apresenta como efeito colateral a desvalorização do trabalho braçal: um médico ou um engenheiro merecem ganhar bem, mas um simples balconista, uma faxineiro ou uma empregada doméstica, não.
A base dos eleitores ideológicos de Dilma acredita que a pobreza no Brasil é injusta. As pessoas seriam pobres pela ação de um sistema de quase 500 anos que beneficia quem já tem dinheiro e/ou escolaridade, e cria barreiras para a ascensão social e econômica dos pobres.
Segundo os dilmistas, os pobres merecem e devem contar com programas sociais de todos os tipos (incluindo cotas nas universidades) e também com uma política de valorização do salário e do assalariado, mesmo para as tarefas mais simples.
São essas noções opostas do que é justo que estão em jogo na política brasileira dos últimos anos.
Por fim, como adendo, cito o que considero ser duas incoerências (hipocrisia?) dos aecistas.
O aecista médio não está muito preocupado com denúncias sérias de corrupção partidária. Se estivesse, não seria aecista (votaria nulo?). O que importa é que Aécio e o grupo que o cerca representam as ideais de justiça social dos aecistas. Corrupção – na real – tudo bem, o que não vale é a ideia de justiça “comunista” dos dilmistas.
O aecista médio não está seriamente preocupado com democracia, nem teme o exemplo da Venezuela porque “lá é uma ditadura” e ponto. Para muitos aecistas (a maioria?) se for uma ditadura que apoie suas ideias de justiça social, não é o fim do mundo. Pode não ser o ideal, mas passa. O que não vale é a ideia de justiça “comunista” dos dilmistas. Aí até a atual democracia brasileira é vista como ditadura.
As mesmas incoerências podem ser encontradas, com sinais trocados, em setores da esquerda que apoiam Dilma, é verdade. Mas o cerne da questão continua sendo as noções de justiça social.
O resto é jogo de cena.
É o que penso.
Publicado originalmente no Facebook de Arnaldo Ferreira Marques.