Rosana Pinheiro-Machado: desigualdade de gênero no mundo acadêmico

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Tatiane Pires

How it works - xkcd.com/385
How it works – xkcd.com/385

por Rosana Pinheiro-Machado.

Há muito tempo penso e vivo isso. Há muito tempo quero escrever, mas sempre acho que tudo é tão tremendamente desigual, e tão tremendamente sutil, que nunca acho as palavras para escrever. E não as tenho agora, mas hoje é dia de reflexão, mais um dia de lutas.

Eu decidi ter uma carreira acadêmica internacional quando eu tinha 25 anos. Morei em muitos países, viajei por outros tantos. Eu gosto disso. Mas aprendi que, para cada mulher que decide perambular pelo o mundo, tem uma centena de homens que faz isso com a companhia de esposas e filhos. Esposas de acadêmicos que, no país estrangeiro, tornam-se professoras de línguas, mães full time, ou ficam em um emprego menor. Mulheres que desistem de seus sonhos em nome daquele que, nas contas do casal, está melhor posicionado. É sempre uma conta que é em nome do casal e da família, mas no fim das contas, estruturalmente, a mulher é que perde. É a mulher que irá acompanhar o parceiro e dar-lhe conforto na busca de um emprego permanente, que, hoje nas universidades top do mundo, dificilmente vem antes dos 40 anos. A mulher acadêmica dificilmente terá o mesmo tipo de parceria de um homem – o homem que pega junto, abdica de seus sonhos ou, pelo menos, coloca-os de lado temporariamente para viajar com a mulher. Ainda bem que conheço ótimas exceções, mas são exceções.

Em Harvard, em um dos centros de estudos asiáticos mais prestigiosos do mundo, os sinólogos eram homens casados com mulheres chinesas, com as quais aperfeiçoaram o Mandarim. É um duplo ganho. O mesmo acontece no mundo todo com os brasilianistas renomados: são todos casados com brasileiras, que, no máximo, são professoras de português.

Já a minha vida afetiva tem sido um pouco diferente. Em dez anos e seis países que morei, tive uma sequencias de adeus, chorando escondida no banheiro de algum aeroporto. Era preciso partir.

Então, a mulher entra no mercado de trabalho profundamente em desvantagem emocional. E não é qualquer mercado. É um mercado masculino, que dificilmente irá oferecer uma tenure position (emprego permanente) antes dos 35 em universidades como Oxford, Cambridge, Harvard, Yale. Mulheres entram nessas universidades aos 30 anos e sofrem uma dupla pressão: ser mãe e publicar. Sem dois artigos em top journals (e aí eu digo, top journal mesmo), a mulher não consegue o tenure. Mas para ter essa meta, dificilmente ou arduamente, conseguirá combinar com a maternidade.

O que temos, no fim das contas, no âmbito das melhores universidades do mundo, são mulheres que desistem antes do tenure porque é justamente essa jornada de horror de escolhas e abdicações entre os 30 e 40 anos. Muitas mulheres acabam em universidades com menores exigências. Afinal, as top 20 no mundo não foram feitas para mulheres.

O resultado disso é uma perpetuação de um sistema em que o core da ciência mundial é feita por homens – estes mesmos homens que abdicaram de muito menos coisas do que uma mulher que chegou no mesmo lugar. Então, temos uma ciência profundamente masculina. Um establishment masculino.

A desigualdade de gênero no mundo acadêmico é fruto de um sistema de produção neoliberal perverso que atualiza o modelo de vencedores versus perdedores, mas de pessoas – homens e mulheres – que competiram em condições emocionais (aparo, carinho, estabilidade) muito desiguais.

Mudando um pouco o tema, mas nem tanto. Além o mercado de trabalho, para uma mulher brasileira, entrar em uma sala de aula em uma universidade de elite britânica não é uma tarefa muito fácil. Mas não é muito diferente do Brasil. Uma grande parte dos alunos, meninos e meninas, espera o homem ou a mulher mais velha “assexuada”. Todos os dias, eu luto contra o espelho em manter minhas roupas, meus brincos grandes e meu batom vermelho. Confesso, que já até deixei-os de lado. Mais ainda bem que eu resisto. Se é verdade que eu conquisto a admiração de muitos alunos e alunas, também é verdade que uma parcela me olha como um pedaço de carne e a outra parcela que me olha com desprezo machista: quem é essa brasileira jovem que vem aqui me ensinar em Oxford? Esse é o tipo de aluno que não olha nos meus olhos e que passa horas a fio na sala de aula evitando olhar e escutar o que eu tenho a dizer.

Não acho que seja um discurso de vítima. Estou longe de me penalizar e me paralisar. Esta é a apenas a realidade do que significa o dia da mulher: mais um dia de lutas.

PS. E que esse texto sirva para inspirar as jovens pesquisadoras. E não o contrário. Vale a pena. Apesar de tudo. Até o choro do banheiro do aeroporto. O mundo é grande.

Texto publicado originalmente no Facebook da autora.

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