Em seu texto, cuja tradução está disponível abaixo, Juan González, Ministerio de la Informática y las Comunicaciones em Cuba, argumenta que a Internet deveria ser classificada como serviço de telecomunicações para que possam ser aplicados regulamentos como a obrigação de serviço universal — em que o serviço deve ser prestado mesmo nas regiões onde não há lucro — e da obrigatoriedade do prestador ter fonte de energia própria — para que o serviço não seja interrompido em situações de emergência em que o fornecimento regular sofre interrupção.
Por outro lado, em texto publicado no blog Mega Não! em setembro, João carlos Caribé alerta sobre o interesse das empresas de telecomunicação em aplicar tarifas escalonadas e taxa de conexão à Internet, conforme trecho que destaco abaixo (grifo meu).
A UIT (União Internacional de Telecomunicações) quer atualizar os Regulamentos Internacionais de Telecomunicações (ITRs), a última revisão é de 1988. A proposta macro será debater o que eles chamam de convergência, ou seja, a convergência dos serviços de telecomunicações e os serviços de Internet. Ao imaginarmos esta convergência podemos imaginar que as empresas de Telecomunicações irão propor uma tarifa plana, que acabarão com as tarifas escalonadas, as taxas de interconexão e os elevados custos de DDD e DDI, mas infelizmente é justamente o contrário, estas empresas sonham em aplicar as tarifas escalonadas à Internet, incluindo taxa internacional de trafego de dados!!!
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Sem dúvida, há muitos interesses em disputa na conferência em Dubai. A melhor alternativa para os usuários da Internet é que sejam aplicados os regulamentos mencionados por Juan, mas sem que haja outras taxas.
Internet: a última batalha do neoliberalismo
Texto de Juan Alfonso Fernández González, traduzido do blog La Pupila Insomne.
A União Internacional de Telecomunicações iniciou esta semana em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais, que se reunirá durante 15 dias a fim de rever o Regulamento das Telecomunicações Internacionais.
A celebração deste evento foi precedido por uma campanha negativa da mídia financiada e organizada nos Estados Unidos e que tem ressoado em muitos meios de comunicação ao redor do mundo.
Mas antes de entrar em detalhes, um pouco de história.
Em 1865, foi fundada a União Telegráfica Internacional (UTI) por 20 Estados. Nesse mesmo ano, sob a Convenção Telegráfica Internacional, estabelecem-se os primeiros regulamentos do serviço telegráfico.
Em 1932, a União Telegráfica Internacional mudou seu nome para União Internacional de Telecomunicações (UIT), e mais tarde, em 1948, sob um acordo com a recém-formada Organização das Nações Unidas, a UIT tornou-se a sua agência especializada na área de telecomunicações.
Por sua vez, o Regulamento das Telecomunicações Internacionais (RTI) tem a sua gênese na regulamentação de serviços telegráficos de 1865 e na regulamentação telegráfica e telefônica de 1932.
Esse regulamento surge a partir da necessidade de contar com disposições com caráter de tratados aplicáveis aos serviços e redes de telecomunicações internacionais para, entre outras coisas, estabelecer os princípios gerais de prestação de serviços e operações, definir as regras de interconexão global e interoperabilidade, e fornecer uma base para o desenvolvimento do setor em todos os países.
A versão atual do RTI é um tratado assinado por 178 países em 1988 e implementado em todo o mundo desde que entrou em vigor em 1990.
Então, por que tanto barulho agora?
A Internet é a culpada.
Em 1988, quando a RTI foi revista pela última vez, a Internet não era generalizada, de modo que não é mencionada no Regulamento.
No entanto, hoje a Internet e suas tecnologias associadas são uma parte vital e crescente das telecomunicações internacionais.
Portanto, uma das questões discutidas na Conferência realizada em Dubai é a modificação e ampliação de Regulamento das Telecomunicações Internacionais para incluir o tema da Internet.
Com efeito, durante o processo de preparação do evento muitos Estados-Membros da UIT apresentaram propostas para a Internet, a maioria em duas questões de interesse para muitos países: o aspecto econômico e a segurança.
No entanto, a campanha orquestrada pelos EUA acusa a UIT e a ONU de querer “controlar”, “restringir o acesso” ou “impor censura” à Internet.
Duplos padrões e interesses
Mas os Estados Unidos é precisamente quem controla os recursos críticos da Internet por meio da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN), que restringe o acesso a sites de países como Cuba, a quem aplica medidas unilaterais que violam o direito internacional, e que impõe a censura de conteúdos da Internet que afetam seus interesses, como o site Wikileaks.
Além disso, são estadunidenses as grandes empresas de conteúdo e infra-estrutura que controlam e recebem a maior parte do dinheiro flui na Internet. E também é os EUA o país que considera a Internet como um teatro de operações militares.
Portanto, a tentativa de desacreditar a UIT e da Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais tem como objetivo evitar qualquer alteração ao Regulamento das Telecomunicações Internacionais que pode afetar o domínio de fato que eles tem da Internet.
Mas também persegue fins mais fundamentais.
Regular ou não regular, eis a questão.
A Internet, ao não estar coberta pelo Regulamento das Telecomunicações Internacionais adotadas em 1988, não foi sujeita a qualquer regulamentação, somente a lei do mercado e do mais forte.
Portanto, uma das questões principais que se discute em Dubai está considerando a Internet um serviço de telecomunicações e, portanto, suscetível de ser regulado.
Isto não é uma discussão puramente técnica, já que tem implicações importantes para pessoas que recebem serviços de telecomunicações.
Por exemplo, um dos regulamentos do setor de telecomunicações é a “obrigação de serviço universal” em que os operadores devem fornecer serviços de telecomunicações em todos os lugares e não apenas naqueles em que há lucro. Este regulamento é o que tem permitido o serviço de telefonia rural ou urbana de baixa renda. Entretanto, não há regulamentação equivalente para o serviço de Internet.
Outro exemplo é o regulamento que exige dos fornecedores de serviços de telefonia que tenham a própria fonte de energia, a fim de assegurar a disponibilidade de serviços de emergência. Provedores de internet não são obrigados a cumprir com este regulamento, apesar de a telefonia pela internet ser um serviço que está substituindo a telefonia tradicional. O efeito negativo de não contar com o presente regulamento se mostrou recentemente durante o furacão Sandy, em que a interrupção da rede elétrica provocou a queda do serviço de telefonia via Internet, deixando milhares de pessoas incomunicáveis em situação de emergência.
Apesar desses e outros exemplos que demonstram a necessidade de regulamentação para corrigir os “erros” do mercado como único ente regulador, os Estados Unidos e seus aliados vão disputar em Dubai para que as regulamentações não chegam Internet e, consequentemente, para que dentro de um curto espaço de tempo todas as telecomunicações sejam desreguladas.
Esta é mais uma batalha que os defensores do neoliberalismo estão lutando para tentar impor sua visão de um mundo onde prevalecem mercados sem restrições e em que os Estados e as instituições intergovernamentais, como o sistema das Nações Unidas, deixem de cumprir seus papéis como fiadores do interesse público.
Juan Alfonso Fernández González é assessor do Ministerio de la Informática y las Comunicaciones (MIC) em Cuba e profesor adjunto na Universidad de las Ciencias Informáticas (UCI).