Democracia na era digital

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Tatiane Pires

2013-10-16-dialogos-necessarios-democracia-na-era-digital

Participei do seminário Reinventando a Democracia: a participação na Era Digital do ciclo de debates Diálogos Necessários realizado na Câmara de Vereadores de Porto Alegre nesta última quarta-feira, 16/outubro, e fiz esta síntese do que falei no evento para publicar no blog. São diversos temas que parecem estar distantes uns dos outros, mas relacionam-se entre si quando analisamos porquê ocorreram as manifestações de junho, seus significados e desdobramentos.

Manifestações de junho

Destaco, em primeiro lugar, que apoio as reivindicações e indignações legítimas da juventude e da sociedade durante as manifestações de junho deste ano. Houve tentativas de manipulação, cooptação e ressignificação das manifestações por parte da mídia, por exemplo, e com estas eu não concordo.

Recorte geracional

O jovem que fez 16 anos em 2013 nasceu em 1997; o jovem que fez 20 anos, nasceu em 1993. Eu, com 27 anos, tenho vagas lembranças da infância de sucessivas trocas de moeda até o início do Plano Real em 1994. Fui buscar informações sobre o governo Collor e os governos FHC, que ocorreram na minha infância e início da adolescência, depois do fim desses governos estudando História do Brasil. Digo isso para exemplificar o porquê é preciso que façamos um recorte geracional. As dinâmicas de comunicação mudaram muito nos últimos 10 anos, mas a política não mudou, não acompanhou essa mudança.

Os jovens que foram para as ruas se vêem como sujeitos de direitos: reivindicam o direito de acesso à cidade, à cultura, ao lazer. E, para que esse acesso se concretize, é preciso que haja, por exemplo, um transporte público em que as pessoas sejam tratadas com dignidade. Deslocar-se em um ônibus lotado é um desrespeito às pessoas que utilizam esse meio de transporte.

Ainda sobre o recorte geracional, um outro exemplo é que eu me lembro de, na minha infância, fazer meus trabalhos escolares pesquisando na Enciclopédia Barsa e digitando na máquina de escrever. Hoje as crianças não fazem ideia do que é uma máquina de escrever ou uma fita K7. Não duvido que, daqui a algumas poucas gerações, falar para uma criança sobre CDs irá causar espanto, assim como hoje causam espato fitas K7 e VHS. Hoje o acesso das crianças às novas tecnologias da informação e comunicação geram uma mudança cognitiva, muda a forma como eles interpretam o mundo. Também é preciso lembrar que é esse jovem que está indo às ruas protestar.

“Contra tudo o que está aí”

O jovem de hoje, que nasceu na década de 1990, e se vê como um sujeito de direitos, talvez não tivesse essa mesma visão de mundo se ele fosse um dos jovens das décadas passadas. Isso ocorre, em boa medida, devido às mudanças que vem ocorrendo no Brasil na última década. É preciso que a juventude e o conjunto da população se organize e reivindique mais direitos e mais avanços, sem dúvida. No entanto, não se pode perder essa perspectiva da nossa história recente. Pois a negação da política não é o caminho para o aperfeiçoamento da democracia, nem para continuar avançando em busca das mudanças necessárias para melhorar a vida das pessoas.

Mídia

211 mil vagas de trabalhos formais em setembro, conforme matétia da Agência Brasil. Mas um setor representativo da mídia insiste em tentar convencer a população de que o país não estaria indo bem. Em janeiro, a mídia dizia que haveria apagão; não havendo apagão, o assunto era a inflação que estaria em descontrole; não havendo descontrole na inflação, o assunto passou a ser a alta do dólar, que já caiu novamente. Muitos dos grupos empresariais que controlam as empresas de tv, rádio, mídia impressa e mídia eletrônica estão sempre a procura de algo para tentar sustentar sua tese mentirosa de que o país não estaria indo bem.

Juventude trabalhadora e relações precárias de trabalho

Por outro lado, não se pode deixar de criticar o fato de que muitos jovens que concluíram o ensino superior recentemente não conseguem empregos nas suas respectivas áreas de formação acadêmica. Muitas vezes estão em empregos cujas relações de trabalho são precárias devido a diversos fatores. O machismo presente na sociedade também afeta a vida das mulheres de muitas maneiras, inclusive no mercado de trabalho e no direito de acesso à cidade.

Redes sociais

É importante utilizar redes como Facebook, Twitter e outras devido à grande quantidade de usuários dessas redes. No entanto, é preciso lembrar que são redes sociais proprietárias. O Facebook tem bloqueado usuários e removido conteúdos arbitrariamente, por exemplo. A maioria das pessoas não lê os termos de uso e a política de privacidade das redes sociais e dos sites que utiliza, portanto não sabem que o Facebook reserva para si o direito de remover conteúdos de forma alheia à vontade dos usuários. Porém, quando cada um faz seu cadastro no Facebook, está concordando, do ponto de vista jurídico, com esses documentos, ainda que discorde quando uma página é removida. As redes sociais devem ser utilizadas como meio de distribuição de conteúdo, mas a produção do usuário não deve depender somente dessas redes.

Blogoosfero.cc

É uma rede social feita com software livre e é brasileira. Essa rede surgiu a partir da necessidade de blogueiros que tiveram suas publicações removidas devido a processos judiciais. A forma que grupos políticos, ou grupos que de alguma forma detêm poder econômico, encontraram de calar as denúncias feitas por blogueiros foi a censura por meio de processos judiciais. Isso ocorre porque, na maioria das vezes, quem escreve em blogs não tem recursos para dar continuidade a um processo na justiça para garantir seu direito à liberdade de expressão. A alternativa, para não ter que pagar multas desproporcionais, é de parar de publicar no blog. Entretanto o Blogoosfero não é uma rede só para blogueiros; lá tem comunidades, grupos e a rede está sendo atualizada para receber novas funções como salas de bate-papo entre os participantes que estiverem online.

Marco Civil da Internet

Foi proposto em 2009 e o projeto de lei foi enviado à Câmara dos Deputados em agosto de 2011. Nesse período, houve consultas públicas digitais e debates presenciais em diversos fóruns. É um projeto de lei inédito devido à ampla participação na construção do texto por diversos setores como academia, movimentos sociais e empresas. Quando o Marco Civil da Internet chega no Congresso, encontra resistência dos lobbies que são contra a neutralidade da rede. Trago o projeto do Marco Civil da Internet como exemplo porque foi produzido coletivamente e essa diversidade de contribuições produziu um consenso que traz muitos avanços, mas encontra a resistência do poder econômico de empresas, principalmente do setor de telecomunicações, por meio do lobby e da pressão que fazem sobre vários deputados.

Propostas para uma democracia na era digital

É possível fazer, em software livre, uma ferramenta por meio da qual as pessoas possam assinar uma petição digital e que se possa garantir que não houve mais de uma assinatura por pessoa, por exemplo. E propostas como a petição e o plebiscito digitais, entre outras, devem ser implementadas em software livre para que se possa garantir a transparência desses processos.

Tecnologia e software livre

Utilizar sistemas operacionais e outros softwares livres são passos importantes em direção à maior proteção contra a espionagem na Internet. O fato de que a espionagem existe e formas de se prevenir já são há bastante tempo conhecidos por profissionais das diversas áreas da informática. Foi muito importante a iniciativa do Edward Snowden de tornar pública a existência da espionagem porque deixou de ser uma “conversa de nerds”. Agora a governança da Internet está no centro dos debates e há o reconhecimento de que é um assunto estratégico. Cada área do conhecimento tenha uma linguagem própria, por isso é preciso que os profissionais de tecnologia que defendem o uso do software livre façam um esforço para transmitir esse conhecimento com uma linguagem acessível para quem não trabalha com informática.

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